DO FIM ATÉ O COMEÇO

horácio podia ter muitos defeitos, mas nem sempre fora um rapaz acomodado, sem ambição. Sonhara estudar Biologia, mas as escolhas que precisou fazer na vida o tornaram motorista de ônibus.

Todos os dias o mesmo trajeto, repetidas vezes, sobe gente, desce gente, “ô menino, pode pular a catraca não”, salário miserável no fim do mês, todo dia mais do mesmo. horácio se sentia sozinho, perdido, e já não sonhava mais em estudar: queria era moça boa para casar e ter filhos, muitos deles.

Mas seu trabalho não facilitava o contato com mulheres, as várias que iam e vinham em seu ônibus, algumas por todos os dias. A plaquinha de “Proibido falar com o motorista” lembrava a importância de manter sua atenção no trânsito, e o máximo que podia fazer era responder aos cumprimentos, devolver o troco, desejar bom-dia.

Fazia ponto final em uma grande praça, ao lado de uma barraquinha com doces. Nela inara, uma senhora queimada pelo sol e cara de poucos amigos batalhava o sustento da família. horácio aproveitava o entra e sai de pessoas e trocava dinheiro, jogava algumas palavras fora e comprava chicletes de hortelã – para manter o hálito fresco.

Chegava em casa cansado, e sonhava; algumas vezes tinha pesadelos, quando corria perseguido por um ônibus, e por mais que dobrasse diferentes esquinas, dava sempre na mesma rua. Acordava assustado, encharcado, procurando se convencer de que, ao menos, tinha sorte em garantir o dinheiro para o aluguel e o plano de saúde de dona vânia, sua mãe.


Domingo, dia de folga, horácio resolve dar um passeio pela cidade. Com seu percurso já registrado pelo cérebro nem percebera que, mesmo caminhando, repetia o trajeto de seu ônibus. Já que estava por ali, passaria na banca de inara para um “oi” e alguns chicletes.

inara não estava lá. Em seu lugar na barraquinha de doces, uma moça jovem, nem bonita de todo, muito menos feia, sentada torta no alto banco, escondendo-se atrás de um catálogo da Avon.

horácio infla o peito, ajeita a postura, e puxa conversa enquanto escolhe algumas balas. Três pacotes de doces e um refrigerante depois, horácio saboreava o nome recém-conhecido: Madalena. Leninha, para a mãe inara e os irmãos celso e edivan, Lena para os amigos. horácio poderia se considerar um? Sim, e assim fez.

Lena enrolava um cacho de cabelo com o dedo quando lhe perguntou o que fazia. horácio hesitou, mas respondeu, e foi se empolgando quando a pequena revelou querer muito aprender a dirigir e que achava muito bonito ser motorista de ônibus, tão útil para tantas pessoas.

Abobalhado, Horácio flutuava no caminho para casa. Dormiu um sono sem sonhos, tranqüilo. Acordou feliz. Não lhe atingiam mais a falta de educação das pessoas, o salário minguado, o caminho diário já tão conhecido. Só lhe importava imaginar que a vida lhe apontava um novo sentido, tendo nos braços de Madalena seu porto seguro, o ponto final. E o começo de tudo.